terça-feira, 16 de setembro de 2008

A sina

Caduado é um rapaz pacato. Não, Caduado não é uma junção esquisita da primeira sílaba do nome da mãe e as últimas sílabas do nome do pai. Caduado é culpa do irmão caçula, que aos 3 anos de idade não conseguia pronunciar o portentoso Carlos Eduardo do primogênito. A mãe achava fofo e repetia. O pai idem. Ficou Cadudado, para vergonha do caçula e ódio mortal do primogênito. Este fato foi somente o estopim das incomensuráveis dificuldades na vida de Caduado.
Quando pequeno, Caduado foi protagonista de um crime hediondo. Em férias na praia, resolveu destroçar friamente uma Maria-farinha. Arrancou patinha por patinha. Caduado era um menino esperto e curioso. Buscava obstinadamente sinais de dor no crustáceo. Mas Marias-farinhas não gritam e isso tirava Caduado do sério. Resolveu arrancar os olhos saltados da Marinha-farinha e cozinhá-la. Já que o bicho não gritava, ao menos serviria como um belo aperitivo. O irmão caçula, provavelmente com inveja das investidas anatomísticas do primogênito, decidiu avisar aos pais. A mãe flagrou Caduado justamente no instante em que mordiscava a danada. O barulho da casca sendo dilacerada pelos dentes de leite de Caduado ecoava por toda a casa enquanto a mãe olhava aterrorizada. A família de Caduado estava escandalizada, não somente com a crueldade, mas também com o gosto culinário peculiar do garoto.
Por máxima culpa do irmão caçula, Caduado agora batia ponto todas às quintas-feiras no consultório da doutora Betinha, renomada psicóloga infantil. Após algumas sessões de desenhos lúdicos, dança e trocas de abraço, eis o veredicto: O problema é a mãe!
As explicações de Freud foram satisfatórias durante a infância de Caduado. Todavia, na transição da adolescência para a vida adulta, surgiram outros problemas. Ninguém sabe se foram as leituras de Bataille e Artaud na faculdade, as peças de Zé Celso e Antunes Filho que cobriu como jornalista, a infância turbulenta ou tudo junto; mas Caduado adentrou na vida adulta numa tensa relação com o ânus. A prisão de ventre era atroz. Caduado simplesmente não cagava. Sua constipação era tão grave que quando era acometido por um desarranjo intestinal sentia-se pleno. Vivia instantes lisérgicos na privada enquanto a bosta rala escorria indefinidamente rumo à fossa.
O problema era quando tudo terminava. Sempre vinha a ardência na bunda. Nem hipoglós acalmava. Pra piorar tudo, a ardência na bunda deixava as hemorróidas de Caduado loucas. Lá ia Caduado para a redação do jornal com a sua almofadinha de hemorróidas, daquelas que parece bóia de criança. Os risinhos eram indisfarçáveis. Caduado ficava possesso; só quem tem hemorróidas sabe o quão doloroso é. “Eles não sabem o que fazem”, profetizava Caduado nestes dias tão sensíveis.
Caduado andava constantemente ressentido do ânus. Entretanto, nos últimos dias a situação se agravara. Toda vez que Caduado assistia a um comercial desses iogurtes que dizem colocar “intestinos preguiçosos” para funcionar batia um banzo. Caduado sabia que não defecaria nos próximos dias. Sabia que nesses dias de defluxo intestinal o cocô desidrataria e ficaria duro como pedra. Sabia que quando fizesse força para cagar a hemorróida iria estourar e ele teria que ligar para o SAMU e passar pelo constrangimento de dizer que a veia do cú pipocou. A depressão se abateu sobre Caduado.
A mãe de Caduado, provavelmente num esforço em fazer as pazes com o passado, percebeu a tristeza do filho e resolveu organizar uma reuniãozinha familiar para levantar o astral do primogênito. Chamou as tias, os tios, os avós, as primas e seus filhos pequenos e desordeiros, o Cocker chato e insano do irmão caçula (que mesmo idoso, banguela e caolho continuava latindo sem parar). Soma-se a essa fauna a música alta e as pessoas falando sem parar. Caduado achou a idéia no mínimo temerária diante da situação pela qual passava, mas ponderou e levou em consideração o carinho e a boa vontade de sua mãe. Colocou uma cueca samba-canção folgadinha para facilitar a movimentação pela casa, uma vez que não pretendia levar a almofada de hemorróidas e explicar para cada priminho de segundo grau do que se tratava a boinha azul.
Acontece que, em meio à algazarra familiar regada a muita cerveja – Caduado não queria comer salgadinhos de queijo para não piorar a inflamação-, nosso protagonista resolveu ir ao banheiro para fazer um xixi básico. O lavabo estava um caos. De um lado, patinhos de borracha e comandos em ação boiando em meio ao alagamento provocado pela brincadeira dos pequenos. Do outro, Barbies Summer pegando uma sauna dentro do bidê. Caduado achou graça da bagunça. Tal cena lúdica remeteu-lhe a sua infância traquina na casa de praia. Perdido em meio as suas memórias, Caduado tropeçou no boneco Ken que vinha sendo arrastado pela correnteza. Escorregou e, mesmo sem querer, caiu de bunda em cima de uma cornetinha de plástico. Introduziu toda a cornetinha no seu ânus calejado pela prisão de ventre e pelas sucessivas crises de hemorróida. Sobressaltado, Caduado não conseguia conceber sensação tão estranha. Gritou desesperadamente e deu uma carreira rumo à sala com a cornetinha entalada na bunda. A música alta cessou. A família e os agregados acompanhavam boquiabertos o desfecho do episódio. Ao chegar ao terraço, Caduado parou. Ofegante, botou a mão no joelho e passou a requebrar vigorosamente os quadris. A cornetinha balançava de um lado pro outro, mas não desentalava. Ninguém se mexia, ninguém se mobilizou para ajudar o pobre do Caduado de tão estarrecedora que era a cena. Caduado parou mais uma vez, recuperou o fôlego e voltou a mexer o popô. De tanto sacudir a cornetinha presa no canal retal, o cú foi paulatinamente afrouxando. E conforme o orifício anal ia afrouxando, Caduado ia meio que gostando daquela história, da cornetinha o preenchendo todo. Caduado já não mais gritava, e seus movimentos foram se tornando menos vigorosos e mais rebolativos. Caduado sorriu. Um sorriso que jamais sua mãe, mesmo que com todas as boas intenções de uma altruísta protestante, conseguiria arrancar.

3 comentários:

Adriano disse...

ótimo conto :-)
descreveu com perfeição.

escreva sempre
abraços
dri

Paula Santana disse...

Eu tento, Dri.
Brigada pelo carinho!

Anônimo disse...

Ri alto.. copiei e mandei por email pra galere.. hahahaha.. =P.. boooaaa champs.. fica sussa que coloquei os créditos.. ;D