terça-feira, 18 de agosto de 2009

Mais notícias de Janaína

Faz quase três meses que estou instalada aqui em Paris. Tenho tentado muito me adaptar ao ritmo nouvelle vague dos dias franceses. Vou à Sourbonne, assisto algumas aulas de maneira blasé, depois vou tomar um Irish Coffee num café qualquer, bato perna pelos pontos turísticos, volto pro apartamento, tomo um cálice de Cabernet Franc e durmo como uma pedra. No geral, as coisas têm sido até tranquilas. Eventualmente sofro com a barreira da língua e passo por situações constrangedoras. Um dia desses, enquanto esperava o metrô, resolvi fazer um tipo e ler um jornal. Na verdade, estava fazendo uma interpretação das imagens. Um processo bem semiótico, ao estilo Barthes, sabe?Vi alguma coisa sobre um show da PJ Harvey. Anotei o endereço e sai correndo para comprar o ingresso. Quando cheguei no lugar do show, descobri que seria daqui a três meses! Vergonha e frustração. Mas depois me entreti rapidamente, porque o lugar do show é numa rua equivalente à Rua da Guia daí do Recife (em seus áureos tempos, claro!). Perto do cais do porto,numa escuridão danada, repleta de tipos mal-encarados,exóticos e pertubados. As prostitutas pobrezinhas, que vem do leste europeu e daquela parte mais amarelada da ásia (Vietnã, Camboja, Malásia e tal...) rodam a bolsinha de moleton e tênis de corrida!huhuhuh
As holandesas e russas, que são as top de linha, rodam bolsinhas Gucci e usam lingerie Victoria´s Secret! Para além dessa diversão e glamour todo, a maior dificuldade, até agora, é que as mazelas terceiromundistas não me largam. Eu tento apagar os estigmas maranguapeanos da minha vida, mas não dá! No auge da minha felicidade em meio à tanta riqueza e civilização, me apareceram, ao mesmo tempo, um furúnculo no sovaco direito e um pêlo encravado na canela esquerda. Pode um negócio desses? Não sei se deu pra vocês perceberem, mas nas últimas fotos que postei no orkut estou sempre de calça jeans e com o mão, convenientemente, prostrada na cintura. A situação do pêlo encravado não é tão melhor do que a do furúnculo, uma vez que o bulbo capilar inflamou e, com estranha presteza, se encheu de pus. Muito pus mesmo. Tanto pus que se formou uma crosta meio amarelada no em torno do pêlo. Uma bagaceira só. Até quando ando dói. Já o furúnculo, entrou naquela etapa do carnegão. Fui a um médico aqui na Champs Elyseés, crente que a medicina francesa seria mais moderna e iluminista do que a nossa. Ledo engano. O médico era lindo de morrer. Um negão, com cara de camaronês. Ele me lembrava muito aquele atacante mortífero da seleção de Camarões, da Copa de 94, sabe quem é?Ah, lembrei!Roger Milla o nome dele. O cara era meio quarentão, e inspirava muita sabedoria. Uma coisa bem espírito modernista, misto de tradição e progresso. Logo ele preparou uma mesa cirúrgica, com aqueles instrumentos geladinhos, pomadas anestésicas, seringas e duas enfermeiras, com pinta de imigrantes argelinas. Elas olhavam pra mim de maneira sádica e falavam qualquer coisa em árabe, eu acho. Inventei uma desculpa. Disse que queria tomar uns antibióticas antes e só sarjar em último caso. Voltei correndo pra casa. Entrei na internet e pesquisei no yahoo respostas alguma coisa que fizesse o carnegão estourar mais rápido e de maneira indolor. Eis a melhor resposta: “A casca do tomate serve pra purgar os furúnculos, è só tirar a pele do tomate e aquecer um pouquinho a casca e colocar encima do furúnculo, deixa em cima por pelo menos meia hora. Eu já fiz e estourou mais rapidamente.” Apesar do português ora vacilante, ora capenga, eu aceitei a dica. Cortei a casca do tomate, repleta de licopeno, coloquei em cima do furúnculo e prendi com esparadrapo. Dormi assim. Na manhã seguinte, o carnegão já estava abertinho, saindo uma pequena secreção, tipo aguinha. Desinfetei as mãos com água e sabão, arrematei com álcool gel (em tempo de pandemia gripal isso tá super na moda!) Espremi com perseverança. “Vai, Janaína!”, repetia baixinho, enquanto ruborizava de dor e tensão. Depois de algum esforço, suor e dor, escutei um estalinho singelo. O carnegão saiu todinho. Duro. Inteiro. Esverdeado. Limpei o sovaco com uma espécie de água oxigenada à francesa e depois dei um banho com soro fisiológico, afinal de contas, eu sou cearense,né?Por mais frio que esteja, eu sempre tomo três banhos por dia. Aqui tem calefação, galera!24 horas. Acho que a falta de banho dever ser ideológica, fruto do maio de 68. Vocês sabiam que os bebês daqui só tomam banho uma vez por semana?Pois é. Recomendações médicas. Bem que eu desconfiei daquele clínico geral com cara de senegalês. Bonito que dói. Mas ele era menos africano do que francês. E isso é péssimo,oras!

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Janaína flanando em Paris

Janaína é uma menina cheia de potencial, mas que teve poucas oportunidades na vida. Nasceu no Crato, cidade muito rica e cheia de frivolidades do sertão do Cariri. Ela foi parar por lá por acaso, graças a um erro geográfico de seu pai. No final dos anos 1970, seu pai e sua mãe eram jovens militantes da esquerda, lutavam contra a ditadura militar e acreditavam que poderiam intervir em prol de um mundo melhor. Achavam que no sertão do Ceará, em pleno polígono das secas, iriam encontrar vilarejos em petição de miséria. Crianças com anemia falciforme, bicho de pé, leishmaniose. Grávidas desnutridas, chefes de família desdentados e com mal de chagas. Mas o Crato é o supra-sumo da indústria têxtil nordestina. Grande exportador de biquínis para a Europa. Lá as pessoas são ricas, bem nutridas e abobalhadamente felizes. As casas são grandes, com muros altos, daqueles cheio de plantinhas...Desolados com a escolha equivocada, frustrados com o futuro que se aproximava, venderam o pouco que tinham e se mudaram para o Recife. Com pouca grana, oito filhos pequenos e um casamento em crise, só restou mesmo comprar uma casinha, na vila de Maranguape 0, na região metropolitana do Recife. Janaína cresceu assim, brincando de shortinho no meio da rua, com as canelas finas e acinzentadas de tanta poeira...Já adolescente, pegava a kombi na esquina de casa e ia para a escolinha no centro da cidade. Na volta, parava no fiteiro, gastava o troco do lanche em confeitos, trocava a farda e ia pular elástico com as vizinhas na calçada de casa.
Os anos se passaram e Janaína terminou os estudos básicos. Tentou vestibular para Direito, mas, com a educação provinciana que recebeu nas escolinhas do bairro, nem passou da primeira fase. No ano seguinte, menina orgulhosa e marota, deixou o sonho de ser bacharel em Direito de lado e tentou vestibular para o curso que tivesse menor concorrência. Ou ela passava, ou passava. Passou em Ciências Sociais. Janaína nem sabia o que era isso, no fundo ela achava que era o curso que formava assistentes sociais, mas empolgada, seguiu adiante. Mergulhou nos estudos de Marx e Weber. Conheceu a Sociologia da Comunicação, achou bacana a guerrilha cultural e a mídia radical. Decidiu estudar esses coletivos moderninhos, que misturam video clip, mídia independente e discotecagem. Cruzou o país de ônibus, vomitou no tênis da melhor amiga, fez um curso de corte e costura e colocou um piercing. A esta altura, Janaína tinha criado inúmeras possibilidades de existir, mas faltava uma: andar de avião. Janaína se roía de invejinha quando as amigas iam para os congressos e para as pesquisas da vida de avião. Ela queria sentir aquele friozinho que dá na barriga, na hora em que o avião decola. Ela achava aeroporto uma coisa tão cosmopolita, um não-lugar, como diria Marc Augé. Logo ela, menina tão suburbana, que ia do Teatro do Parque pro Parque Treze de Maio no fim de semana. Logo ela, que todo dia tinha que encarar um Rio Doce/CDU e depois pegar o Maranguape/PE 15 na integração de passageiros. “Eita, vidinha medíocre”...
Até o dia em que tudo mudou.Graças àquele personalismo tão arraigado na sociedade brasileira, que Janaína estudou tanto nas obras de Caio Prado Jr e Sérgio Buarque,a nossa garota conseguiu uma passagem para ir à França. Um intercâmbio de seis meses,só vendo gente rica, gente europeia, gente loira de olhos azuis. Pura civilização no ar. E ainda tinha que ir de avião!Era tudo perfeito. Acabei de receber um e-mail dela, contando sobre a estadia:


“ Gostei do clima pós-moderno da França. As casas são lindinhas demais, todas muito parecidas. Iguaizinhas as que a gente vê na tv. Aqui perto da casa em que estou tem uma floresta grandona, que dá pra passear e fazer trilha. Mas eu não fui muito longe não, pq aqui não tem o risco de ladrão ou tarado,como lá no mangue de Maranguape, mas há o risco de a gente se deparar com um porco selvagem. Imagina a situação! Outro dado sociológico importante: carro aqui é carrão mesmo, tipo BMW,Mercedes,é um tal de Citröen pra lá e pra cá. Por aqui choveu muito na semana passada e fez muito frio.19 graus é frio pra gente que mora em Pernambuco.
Comi churrasco à francesa também. Pensava que franceses só comiam aquelas porçõezinhas inexpressivas. De qualquer modo, o churrasco deles é diferente do churrasco do Brasil, não tem música e aquela baixaria toda daí. Tem é muito vinho francês, pró-seco e champanhe. SUUUUUUUPER CHIQUE!!!!!
hahahahahahahahaha
Aliás, o que tenho feito aqui é beber bem. As bebidas no geral têm muito álcool,voltarei para o Brasil direto para os encontros do AA.
Pobre é triste!

É isso!
Mais tarde irei a uma cidade aqui perto que não sei o nome (tudo muito complicado e cheio de biquinhos).
Espero que faça um bom tempo.”


E eu também!