sábado, 21 de novembro de 2009

Cadê a praia?

Faz pouco tempo que voltei de uma tour de quatro viagens, relativamente longas, por dois países diferentes. O segundo semestre foi insano. Se eu tinha clareza que necessitava respirar outros ares, agora tenho certeza que outros ares pesam nos pulmões. Estou exausta. E só de olhar pra mala entre-aberta na sala, 23kg de roupa suja e mais um monte de quinquilharias novas para arrumar, já me bate uma moleza, um enfado indizível. O mais importante é que estas viagens são a realização de um projeto gestado por quase um ano. Eu queria viajar, praticar a alteridade, conhecer novas culinárias, novas caras, novos estilos de vida. Tudo isso é medo de me tornar aqueles leigos chatos que repetem jargões de antropologia de mesa de bar " viajar é conhecer novas culturas". O senso comum me envergonha. Depois de mochilar com elegância pela Argentina e pelo Uruguai, decidi rearrumar as malas e encarar o sul de Minas. E essa coragem toda me fez acreditar que deveria relatar essa empreitada. Não sei o porquê disso, nem sei para quem isso possa interessar, mas pra mim é um exercício interessante. Afinal, não é todo dia que se bebe vinho caro a um preço módico e,parte-se, em menos de um mês, pra uma cachaça barata a um preço exorbitante! Passei um bom tempo justificando o meu total desleixo para com este diário de viagem à necessidade de publicá-lo na internet. Eu precisava criar um blog e criar um blog decente exige elaborar a boneca, a estrutura desse formato. Só assim todo este esforço faria sentido. Todavia, nunca parei para pensar no formato desse blog. A única ideia que me vinha era que o mote seria mostrar como eu fui esperta e marota na organização dessa viagem, porque comprei dinheiro com ótimas taxas de câmbio e lucrei com isso, me hospedei em albergues bons e baratos, fiz todo o roteiro turístico que um gringo deve fazer, andei de táxi e comi massas e queijos franceses todos os dias. O negócio é puxar a mala de rodinha sem descer do louboutin falsiê.Tudo bem, sempre há atropelos, como no albergue em que fiquei em Buenos Aires. Lá, além de um casal de travestis, havia uns jovens com um visual grunge que se locomoviam sobre skates pelas largas avenidas de BsAs e um australiano com cara de pevertido sexual. Mas abrir-se para a diversidade, à diferença e ao cosmopolitismo de uma grande cidade só fazem bem à pele. Inlusive,fiz amizade com Florencia e Violeta durante o café-da-manhã, sempre sentávamos juntas. Descobri até um gosto cinematográfico em comum: nós adoramos as séries produzidas por Buck Angel, uma transgênero mulher para homem, como dizem os americanos. Somos fãs de Buck Back Mountain, a paródia pornô do clássico de Ang Lee, com Buck Angel defendendo a personagem que imortalizou Heath Ledger. E para selar tal encontro, decidi jogar uma partida de sinuca com uma das moças de calcinha estufada. A partida fez mais sucesso do que Argentina x Paraguai, que estavam disputando uma vaga para a Copa do Mundo de 2010 naquele instante, televisionado para todo o país. Grande duelo de "pool" entre Brasil e Argentina anuciavam os funcionários e hóspedes do hostel. Florencia, a minha rival, encaçapou mais bolinhas que eu. Os garotos grunges do Chile disseram que ela tinha mais prática na arte de meter bolas pra dentro.Isso amenizou muito a minha raiva, porque eu detesto perder, ainda mais pra argentinos! Mas voltando ao assunto,porque devaneios são legais, mas têm limite! Esses dias uma amiga me ligou e perguntou das viagens. Neste instante me toquei que não havia revelado uma única foto do roteiro Argentina-Uruguai-Sampa-Ouro Preto e adjacências-Sampa. Estavam todas no HD do meu laptop, correndo o sério risco de serem devoradas por um cavalo-de-tróia selvagem. Eu disse que queria vê-la, pra poder contar da aventura toda,já que ela só sabia da etapa castelhana da viagem. Adiantei que tinha feito o circuito das águas e das cidades hsitóricas no sul de Minas e que havia estado em Sampa antes de voltar pra casa. Queria contar do pão-de-queijo soberbo que comia de manhã, de tarde e de noite, da outra língua falada em Minas (porque aquilo não é português nem aqui nem em Macau!), do baconzito´s vendido na carrocinha de pipoca, do ponto turístico mais divertido de são paulo (os engarrafamentos da Dutra), das minhas andanças na Av. 25 de março, sobre a esquina da Ypiranga com a São João, sobre os japonesinhos da Liberdade e do sonho que é ter um metrô para chamar de seu. Ainda ao telefone, essa amiga me disse que acha que lugar que não tem praia é sempre meio sem graça. Segundo ela, mesmo que a gente não goste de praia, é bom tê-la por perto, nem que seja só pra compor a paisagem. Fiquei pensando nisso... e pela primeira vez resolvi meditar sobre a viagem, escrever os primeiros garatujos que integrarão o blog. Pensei que eu até simpatizo com cidades que não têm praia, como BsAs, por exemplo. O problema é que o sul de Minas é místico e eu não tenho mais idade para riponguices. E sampa não tem charme. A arquitetura é moderna demais.Falta um certo glamour vintage,sabe como é?Ou até mesmo arrojo futurista. A cidade é a cara dos anos 70 e anos 70 me lembram a crise do petróleo,ombreira,saída de banho verde cana, neoliberalismo, tanga asa-delta,permanente no cabelo,guerra fria, camisa bouclê, ditadura militar e franja cacheada. E esse é um tempo que preferiria não ter vivido...

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Da série "Reflexões Vegetarianas"

- Ah, você é herbívora?
- Não, sou lacto-vegetariana
- Como assim?
- Só como derivados de leite, raízes, vegetais, frutas e grãos
- Seeii...e ovo?
- Não como ovo.
- Por que o ovo é o feto da galinha,né?
- Não, é porque da última vez que fui fazer uma omelete, quando abri o ovo, ao invés da clara e da gema, saiu um pinto preto.
-Vivo?
- Pior, muito pior. Morto.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Mais notícias de Janaína

Faz quase três meses que estou instalada aqui em Paris. Tenho tentado muito me adaptar ao ritmo nouvelle vague dos dias franceses. Vou à Sourbonne, assisto algumas aulas de maneira blasé, depois vou tomar um Irish Coffee num café qualquer, bato perna pelos pontos turísticos, volto pro apartamento, tomo um cálice de Cabernet Franc e durmo como uma pedra. No geral, as coisas têm sido até tranquilas. Eventualmente sofro com a barreira da língua e passo por situações constrangedoras. Um dia desses, enquanto esperava o metrô, resolvi fazer um tipo e ler um jornal. Na verdade, estava fazendo uma interpretação das imagens. Um processo bem semiótico, ao estilo Barthes, sabe?Vi alguma coisa sobre um show da PJ Harvey. Anotei o endereço e sai correndo para comprar o ingresso. Quando cheguei no lugar do show, descobri que seria daqui a três meses! Vergonha e frustração. Mas depois me entreti rapidamente, porque o lugar do show é numa rua equivalente à Rua da Guia daí do Recife (em seus áureos tempos, claro!). Perto do cais do porto,numa escuridão danada, repleta de tipos mal-encarados,exóticos e pertubados. As prostitutas pobrezinhas, que vem do leste europeu e daquela parte mais amarelada da ásia (Vietnã, Camboja, Malásia e tal...) rodam a bolsinha de moleton e tênis de corrida!huhuhuh
As holandesas e russas, que são as top de linha, rodam bolsinhas Gucci e usam lingerie Victoria´s Secret! Para além dessa diversão e glamour todo, a maior dificuldade, até agora, é que as mazelas terceiromundistas não me largam. Eu tento apagar os estigmas maranguapeanos da minha vida, mas não dá! No auge da minha felicidade em meio à tanta riqueza e civilização, me apareceram, ao mesmo tempo, um furúnculo no sovaco direito e um pêlo encravado na canela esquerda. Pode um negócio desses? Não sei se deu pra vocês perceberem, mas nas últimas fotos que postei no orkut estou sempre de calça jeans e com o mão, convenientemente, prostrada na cintura. A situação do pêlo encravado não é tão melhor do que a do furúnculo, uma vez que o bulbo capilar inflamou e, com estranha presteza, se encheu de pus. Muito pus mesmo. Tanto pus que se formou uma crosta meio amarelada no em torno do pêlo. Uma bagaceira só. Até quando ando dói. Já o furúnculo, entrou naquela etapa do carnegão. Fui a um médico aqui na Champs Elyseés, crente que a medicina francesa seria mais moderna e iluminista do que a nossa. Ledo engano. O médico era lindo de morrer. Um negão, com cara de camaronês. Ele me lembrava muito aquele atacante mortífero da seleção de Camarões, da Copa de 94, sabe quem é?Ah, lembrei!Roger Milla o nome dele. O cara era meio quarentão, e inspirava muita sabedoria. Uma coisa bem espírito modernista, misto de tradição e progresso. Logo ele preparou uma mesa cirúrgica, com aqueles instrumentos geladinhos, pomadas anestésicas, seringas e duas enfermeiras, com pinta de imigrantes argelinas. Elas olhavam pra mim de maneira sádica e falavam qualquer coisa em árabe, eu acho. Inventei uma desculpa. Disse que queria tomar uns antibióticas antes e só sarjar em último caso. Voltei correndo pra casa. Entrei na internet e pesquisei no yahoo respostas alguma coisa que fizesse o carnegão estourar mais rápido e de maneira indolor. Eis a melhor resposta: “A casca do tomate serve pra purgar os furúnculos, è só tirar a pele do tomate e aquecer um pouquinho a casca e colocar encima do furúnculo, deixa em cima por pelo menos meia hora. Eu já fiz e estourou mais rapidamente.” Apesar do português ora vacilante, ora capenga, eu aceitei a dica. Cortei a casca do tomate, repleta de licopeno, coloquei em cima do furúnculo e prendi com esparadrapo. Dormi assim. Na manhã seguinte, o carnegão já estava abertinho, saindo uma pequena secreção, tipo aguinha. Desinfetei as mãos com água e sabão, arrematei com álcool gel (em tempo de pandemia gripal isso tá super na moda!) Espremi com perseverança. “Vai, Janaína!”, repetia baixinho, enquanto ruborizava de dor e tensão. Depois de algum esforço, suor e dor, escutei um estalinho singelo. O carnegão saiu todinho. Duro. Inteiro. Esverdeado. Limpei o sovaco com uma espécie de água oxigenada à francesa e depois dei um banho com soro fisiológico, afinal de contas, eu sou cearense,né?Por mais frio que esteja, eu sempre tomo três banhos por dia. Aqui tem calefação, galera!24 horas. Acho que a falta de banho dever ser ideológica, fruto do maio de 68. Vocês sabiam que os bebês daqui só tomam banho uma vez por semana?Pois é. Recomendações médicas. Bem que eu desconfiei daquele clínico geral com cara de senegalês. Bonito que dói. Mas ele era menos africano do que francês. E isso é péssimo,oras!

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Janaína flanando em Paris

Janaína é uma menina cheia de potencial, mas que teve poucas oportunidades na vida. Nasceu no Crato, cidade muito rica e cheia de frivolidades do sertão do Cariri. Ela foi parar por lá por acaso, graças a um erro geográfico de seu pai. No final dos anos 1970, seu pai e sua mãe eram jovens militantes da esquerda, lutavam contra a ditadura militar e acreditavam que poderiam intervir em prol de um mundo melhor. Achavam que no sertão do Ceará, em pleno polígono das secas, iriam encontrar vilarejos em petição de miséria. Crianças com anemia falciforme, bicho de pé, leishmaniose. Grávidas desnutridas, chefes de família desdentados e com mal de chagas. Mas o Crato é o supra-sumo da indústria têxtil nordestina. Grande exportador de biquínis para a Europa. Lá as pessoas são ricas, bem nutridas e abobalhadamente felizes. As casas são grandes, com muros altos, daqueles cheio de plantinhas...Desolados com a escolha equivocada, frustrados com o futuro que se aproximava, venderam o pouco que tinham e se mudaram para o Recife. Com pouca grana, oito filhos pequenos e um casamento em crise, só restou mesmo comprar uma casinha, na vila de Maranguape 0, na região metropolitana do Recife. Janaína cresceu assim, brincando de shortinho no meio da rua, com as canelas finas e acinzentadas de tanta poeira...Já adolescente, pegava a kombi na esquina de casa e ia para a escolinha no centro da cidade. Na volta, parava no fiteiro, gastava o troco do lanche em confeitos, trocava a farda e ia pular elástico com as vizinhas na calçada de casa.
Os anos se passaram e Janaína terminou os estudos básicos. Tentou vestibular para Direito, mas, com a educação provinciana que recebeu nas escolinhas do bairro, nem passou da primeira fase. No ano seguinte, menina orgulhosa e marota, deixou o sonho de ser bacharel em Direito de lado e tentou vestibular para o curso que tivesse menor concorrência. Ou ela passava, ou passava. Passou em Ciências Sociais. Janaína nem sabia o que era isso, no fundo ela achava que era o curso que formava assistentes sociais, mas empolgada, seguiu adiante. Mergulhou nos estudos de Marx e Weber. Conheceu a Sociologia da Comunicação, achou bacana a guerrilha cultural e a mídia radical. Decidiu estudar esses coletivos moderninhos, que misturam video clip, mídia independente e discotecagem. Cruzou o país de ônibus, vomitou no tênis da melhor amiga, fez um curso de corte e costura e colocou um piercing. A esta altura, Janaína tinha criado inúmeras possibilidades de existir, mas faltava uma: andar de avião. Janaína se roía de invejinha quando as amigas iam para os congressos e para as pesquisas da vida de avião. Ela queria sentir aquele friozinho que dá na barriga, na hora em que o avião decola. Ela achava aeroporto uma coisa tão cosmopolita, um não-lugar, como diria Marc Augé. Logo ela, menina tão suburbana, que ia do Teatro do Parque pro Parque Treze de Maio no fim de semana. Logo ela, que todo dia tinha que encarar um Rio Doce/CDU e depois pegar o Maranguape/PE 15 na integração de passageiros. “Eita, vidinha medíocre”...
Até o dia em que tudo mudou.Graças àquele personalismo tão arraigado na sociedade brasileira, que Janaína estudou tanto nas obras de Caio Prado Jr e Sérgio Buarque,a nossa garota conseguiu uma passagem para ir à França. Um intercâmbio de seis meses,só vendo gente rica, gente europeia, gente loira de olhos azuis. Pura civilização no ar. E ainda tinha que ir de avião!Era tudo perfeito. Acabei de receber um e-mail dela, contando sobre a estadia:


“ Gostei do clima pós-moderno da França. As casas são lindinhas demais, todas muito parecidas. Iguaizinhas as que a gente vê na tv. Aqui perto da casa em que estou tem uma floresta grandona, que dá pra passear e fazer trilha. Mas eu não fui muito longe não, pq aqui não tem o risco de ladrão ou tarado,como lá no mangue de Maranguape, mas há o risco de a gente se deparar com um porco selvagem. Imagina a situação! Outro dado sociológico importante: carro aqui é carrão mesmo, tipo BMW,Mercedes,é um tal de Citröen pra lá e pra cá. Por aqui choveu muito na semana passada e fez muito frio.19 graus é frio pra gente que mora em Pernambuco.
Comi churrasco à francesa também. Pensava que franceses só comiam aquelas porçõezinhas inexpressivas. De qualquer modo, o churrasco deles é diferente do churrasco do Brasil, não tem música e aquela baixaria toda daí. Tem é muito vinho francês, pró-seco e champanhe. SUUUUUUUPER CHIQUE!!!!!
hahahahahahahahaha
Aliás, o que tenho feito aqui é beber bem. As bebidas no geral têm muito álcool,voltarei para o Brasil direto para os encontros do AA.
Pobre é triste!

É isso!
Mais tarde irei a uma cidade aqui perto que não sei o nome (tudo muito complicado e cheio de biquinhos).
Espero que faça um bom tempo.”


E eu também!

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Suscetibilidades s/a

Janete é meio obssessiva-compulsiva. Um tempo desses só conseguia entrar no carro se o disco de Chico César estivesse no som. Ela ouvia até aquela fase reagge night, que nem o próprio cantor cabeça de cotonete consegue aturar. Depois entrou numa de só escutar Pixies. Gostava daquele disco, Doolittle. Eventualmente colocava o Surfer Rosa no play. Ouviu tediosamente por anos a fio. Talvez por revanchismo, porque na época ela andava com uma rapaziada que fazia odes e odes ao Dark Side of the Moon. Ela achava que tanta vinheta esquisita dava vontade de fazer cocô. Até o The Final Cut, restos do The Wall, eles idolatravam!
Janete mergulhou tanto nessa paranóia anti-Pink Floyd que tava até gostando do Breeders e do Frank Black fazendo música folk maluquete. Até o dia em que a banda se reuniu novamente, fez uns dois shows antológicos no Brasil, e Janete perdeu. Não sei se foi a frustração, o desespero dos 30 batendo à porta ou o fardo de carregar uma identidade fragmentada, mas Janete agora só quer saber do Mars Volta. Acho que no fundo isso é pura paixão platônica pelo vocalista rebolativo, andrógino e feiosinho do Mars Volta. Janete sempre teve uma concepção excêntrica de sexy appeal.
Depois do trauma "Death to Pixies", Janete anda mais e mais obscura e sinuosa. É um papo de Animal Collective pra cá, The Battles pra lá. Mas no fundo, no fundo mesmo, o que mexe com Janete é o romantismo do Maná. É bonitinho ver como ela se derrete quando começa "Cuando los angeles lloran". Seu coração se enche de doçura. E "Mariposa Traicionera"? Ela se arrepia toda no primeiro riff e depois sai querendo dançar loucamente, igual a Beyoncé no clip de "Single Ladies". A queda é tão grande, que ela se debandou para um congresso em Guadalajara, gastando seu pobre dinheirinho, só pra ver se encontrava Fher Olvera comendo churros e tomando suco de tamarindo no meio da rua. Janete não se importa se o vocalista do Maná mais parece um cruzamento de Cid Guerreiro (aquele mesmo que compôs Ilariê Ô Ô) com Luiz Caldas. No final das contas, Janete sabe que não tem banda post-avant-prog-salsa-fusion-rock que barre a meiguice fulgurante do Maná.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

2+2=5

Há alguns anos, Manuella, menina bem anti-convencional, arranjou um namorado. Por circunstâncias que só o destino e Paulo Coelho hão de explicar, ele atende pela alcunha de Manoel. “Nada mais anti-convencional do que isso”, pensou a abilolada da Manuella. Manuella com dois “éles” mesmo, fruto da invasão norte-americana à incipiente cultura de massa do hemisfério sul. A outra metade de Manuella, o tal do Manoel, era um cara de poucas palavras nos idos do anos 2000. Manuella o conheceu durante as aulas tediosas de introdução à Ciência Política na faculdade. Em meio à inputs, outputs, lobbies e participação social, Manuella percebeu um ser que entrava mudo e saia calado de todas as aulas. Ele sempre se sentava no meio da fileira do canto esquerdo, perto da janela, o lugar mais fresquinho da sala. Manoel fazia um tipo meio esquisito e mal-vestido. Arrastava um chinelo de dedo e insistia em repetir uma camisa surrada do Pink Floyd. Mas por trás desse cenário tão sem sex appeal, Manuella enxergava outras nuances. Uma figura inquieta, com ares de mistério e que carregava certa incompletude. “Só pode ser uma mente atormentada!”, pensava Manuella enquanto o professor fazia uma discussão sobre Hobbes e Tocqueville. “Ele é meio beatnik...”, dizia Manuella, frente à incredulidade das amigas. “Ele precisa ser ouvido, ele precisa de alguém que provoque um abalo desumano nessa introspecção toda!”, mas nem essa mistureba de filosofia de mesa de bar e Zibia Gasparetto conseguia convencer os mais chegados. Manuella tinha certeza de que estava predestinada a encontrar Manoel. Menina marota - que no lusco-fusco do pós-adolescência viveu mais coisas que suas primas Anna Maria e Anna Teresa juntas (as Annas, com dois “ennes”, são o arquétipo que Dona Rita, mãe de Manuella, busca incansavelmente projetar em suas duas filhas) - Manu sabia que esse seria um momento sui generis na sua vida. Apesar do pouco incentivo, Manuella acreditou no potencial de seu encontro com Manoel e seguiu em frente com flertes e investidas quase diárias. Da introdução à Ciência Política, os dois matricularam-se em Economia Política da América Latina, pois para Manuella, lá no fundo, Manoel era um misto do jovem Al Pacino e do FHC da teoria da dependência. “Nada mais charmoso,né?”, dizia ela no meio de um feijoada num sábado de manhã. Depois de vários encontros, pouquíssimo casuais, o nosso casal decidiu emplacar um relacionamento maduro. Viajaram juntos. Dançaram o toré e tomaram jurema. Selaram um afeto insano e cheio de ambiguidades. Comeram lasanha de micro-ondas e ouviram muito rock progressivo. Fizeram arte e sexo. Brigaram aos pés do Cristo Redentor. Procuraram Luana Piovani no Posto 9. Desesperam-se quando Fumagalli perdeu um pênalti nas oitavas-de-final da Libertadores da América. Choraram assistindo a um dramalhão de Lars Von Trier e viram o sol nascer por trás da pitoca de Brennand. Relacionamento deveras maduro. Tão maduro que somente a conjunção de imagens e poesia consegue dar conta. Manu e Mano continuam juntos até o término desta linha. Fazem planos de ver Brasil x Argentina na Bomboneira. Tiraram um passaporte e querem fazer um doutorado no exterior. Ela estuda literatura e cinema. Ele música e mais música. Deixaram as politicagens de lado, para o bem da Nação. Às vezes ela chora. Ele também. Se aproximam mais, riem, ficam bêbados, desistem um do outro, da vida. Foram ao manicômio e tiveram medo dos loucos e de si. Vão para jogos de futebol e têm medo quando abrem os portões da arquibancada para a galera que está na geral. Pretendem adotar um peixe carnívoro, mas Manuella é vegetariana. Se amam e se agridem e se amam. Só palavras não dão conta de tanta intensidade dialógica. Bahktin e Fairclough não sabem da missa um terço. Não mesmo!

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Zuleide, vulgo, Lady Zú

Há algum tempo decidi aderir ao mundo internético.Comecei baixando músicas, filmes, artigos científicos e agora estou conectada com toda uma rede de pessoas por trás desses serviços. Mas internet é um bichinho complicado. Ame-o ou deixe-o largado numa encruzilhada.Não sou muito dada à crueldades, mas também não sou lá muito passional. Acho que nunca amei. Nem mesmo aquele ursinho pooh que ganhei no final dos 80, na época em que criança nenhuma tinha acesso aos produtos Disney. Vivia agarrada com ele só pra fazer inveja à vizinhança da rua Agricolândia. Crianças catarrentas, febris e cheias de oxiúros. Detestava aquela brincadeira de pegar girinos na fossa do único prédio da rua. Detestava brincar de chutar a lata na rua enlameada. Infância pobre, fedorenta e medíocre.Enfim. Tanta digressão era por que mesmo?Ah, por causa da danadinha da internet. Resolvi me permitir. Mas também, a essa altura da vida, se não me permitisse estaria virgem ainda...Pois bem. Internet agora será parte da minha vida. Vou criar um blog e publicar coisas, porque como dizia um bebum lá do mercado da Madalena: "Se foi publicado, do público é". Agora eu quero interagir com gente moderna, com gente bonita e ter uma vidinha simples. Leia-se: SIMPLES. Nada de pobre. Pobreza é cafona. Vou escrever e ser in. É isso. Muito melhor escrever, ser lida e idolatrada por muitos do que me divertir sozinha nos dias em que menstruo. Adoro colocar o O.B fininho e pequenininho e, depois daquele dia extenuante de trabalho, tirá-lo inchado, grosso e duro de dentro de mim.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Eu mato

Paulinho era um menininho rechonchudo e cheio de graça.
Cabelinhos loiros repartidos de lado, bota-patins e um macacãozinho jeans com botões vermelhos eram sua marca registrada.
Aos quatro anos ainda fazia xixi nas calças. Cedo do dia, a mãe já estava a colocar o colchão no sol. Gostava de carros, especialmente de fuscas e caminhões. Um dia, nas férias de 79, seus pais decidiram levá-lo para o sítio. Os ares do campo, a fauna, a flora e os bichinhos soltos e serelepes fariam bem ao desenvolvimento cognitivo de Paulinho. Ainda na estrada, mamãe tirou sua bota-patins. Depois tirou o macacãozinho e deixou o menino só de cueca. Ao chegar no sítio, enquanto seus pais cumprimentavam Vovó Deolinda e Vovô Paulo, Paulinho partiu para desvendar o novo ambiente. Descalço e de cuecas, deu alguns passos entre a grama e o barro seco. Perto da cerca encontrou uma enxada enconstada. "Brinquedinho rudimentar este", pensou o menino, numa concatenação de ideias que faria inveja a muitos adultos. Paulinho saiu com sua enxada rumo ao galinheiro e, num rompante de destreza e coordenação motora, decepou o pé de Maricotinha (a galinha predileta da sua avó). Diante dos gritos solidários das galinhas, papai, mamãe, vovô e vovó sairam em disparada na direção do galinheiro. Em meio aquela cena de filme B, Papai e mamãe pegaram Paulinho pelo braço e entraram correndo dentro do carro, mergulhados num misto de vergonha e desespero. Voltaram para a casa no mesmo instante. Paulinho era urbano demais!

sábado, 10 de janeiro de 2009

Próspero ano novo

Já tenho o maiô, a touca e os óculos. Só falta a piscina.
Renovei o passaporte e tenho um visto com 2 anos de validade. Só faltam as passagens.
Tenho uma receita azul de fluoxetina, florais de bach e um disco de Nick Drake. Só falta a serotonina.
Tenho um quintal grande, esterco , sementes e alguns jarros. Só falta a coragem.
Tenho quase tudo. Quase tudo não é tudo.

domingo, 4 de janeiro de 2009

Dois mil - inove!

Hoje é o meu aniversário.
Cinco anos de muito furor e jovialidade
De vez em quando gosto de fumar uns cigarros e soltar umas baforadas de nicotina e alcatrão numa orquídia branca que eu crio na varanda.
Hoje é o meu aniversário e, dolorosamente, eu detesto anos novos. Acho que e.e Cummings também era assim. Gozado. Estranho. Estranho é legal. Eu gosto do estranho. Mas canhestro é ainda mais portentoso. Unheimlich. "Boneca de pau", grita o excêntrico. "Olho de vidro", grito eu, no auge dos meus cinco e insanos anos.