sexta-feira, 12 de junho de 2009

2+2=5

Há alguns anos, Manuella, menina bem anti-convencional, arranjou um namorado. Por circunstâncias que só o destino e Paulo Coelho hão de explicar, ele atende pela alcunha de Manoel. “Nada mais anti-convencional do que isso”, pensou a abilolada da Manuella. Manuella com dois “éles” mesmo, fruto da invasão norte-americana à incipiente cultura de massa do hemisfério sul. A outra metade de Manuella, o tal do Manoel, era um cara de poucas palavras nos idos do anos 2000. Manuella o conheceu durante as aulas tediosas de introdução à Ciência Política na faculdade. Em meio à inputs, outputs, lobbies e participação social, Manuella percebeu um ser que entrava mudo e saia calado de todas as aulas. Ele sempre se sentava no meio da fileira do canto esquerdo, perto da janela, o lugar mais fresquinho da sala. Manoel fazia um tipo meio esquisito e mal-vestido. Arrastava um chinelo de dedo e insistia em repetir uma camisa surrada do Pink Floyd. Mas por trás desse cenário tão sem sex appeal, Manuella enxergava outras nuances. Uma figura inquieta, com ares de mistério e que carregava certa incompletude. “Só pode ser uma mente atormentada!”, pensava Manuella enquanto o professor fazia uma discussão sobre Hobbes e Tocqueville. “Ele é meio beatnik...”, dizia Manuella, frente à incredulidade das amigas. “Ele precisa ser ouvido, ele precisa de alguém que provoque um abalo desumano nessa introspecção toda!”, mas nem essa mistureba de filosofia de mesa de bar e Zibia Gasparetto conseguia convencer os mais chegados. Manuella tinha certeza de que estava predestinada a encontrar Manoel. Menina marota - que no lusco-fusco do pós-adolescência viveu mais coisas que suas primas Anna Maria e Anna Teresa juntas (as Annas, com dois “ennes”, são o arquétipo que Dona Rita, mãe de Manuella, busca incansavelmente projetar em suas duas filhas) - Manu sabia que esse seria um momento sui generis na sua vida. Apesar do pouco incentivo, Manuella acreditou no potencial de seu encontro com Manoel e seguiu em frente com flertes e investidas quase diárias. Da introdução à Ciência Política, os dois matricularam-se em Economia Política da América Latina, pois para Manuella, lá no fundo, Manoel era um misto do jovem Al Pacino e do FHC da teoria da dependência. “Nada mais charmoso,né?”, dizia ela no meio de um feijoada num sábado de manhã. Depois de vários encontros, pouquíssimo casuais, o nosso casal decidiu emplacar um relacionamento maduro. Viajaram juntos. Dançaram o toré e tomaram jurema. Selaram um afeto insano e cheio de ambiguidades. Comeram lasanha de micro-ondas e ouviram muito rock progressivo. Fizeram arte e sexo. Brigaram aos pés do Cristo Redentor. Procuraram Luana Piovani no Posto 9. Desesperam-se quando Fumagalli perdeu um pênalti nas oitavas-de-final da Libertadores da América. Choraram assistindo a um dramalhão de Lars Von Trier e viram o sol nascer por trás da pitoca de Brennand. Relacionamento deveras maduro. Tão maduro que somente a conjunção de imagens e poesia consegue dar conta. Manu e Mano continuam juntos até o término desta linha. Fazem planos de ver Brasil x Argentina na Bomboneira. Tiraram um passaporte e querem fazer um doutorado no exterior. Ela estuda literatura e cinema. Ele música e mais música. Deixaram as politicagens de lado, para o bem da Nação. Às vezes ela chora. Ele também. Se aproximam mais, riem, ficam bêbados, desistem um do outro, da vida. Foram ao manicômio e tiveram medo dos loucos e de si. Vão para jogos de futebol e têm medo quando abrem os portões da arquibancada para a galera que está na geral. Pretendem adotar um peixe carnívoro, mas Manuella é vegetariana. Se amam e se agridem e se amam. Só palavras não dão conta de tanta intensidade dialógica. Bahktin e Fairclough não sabem da missa um terço. Não mesmo!