quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Janaína flanando em Paris

Janaína é uma menina cheia de potencial, mas que teve poucas oportunidades na vida. Nasceu no Crato, cidade muito rica e cheia de frivolidades do sertão do Cariri. Ela foi parar por lá por acaso, graças a um erro geográfico de seu pai. No final dos anos 1970, seu pai e sua mãe eram jovens militantes da esquerda, lutavam contra a ditadura militar e acreditavam que poderiam intervir em prol de um mundo melhor. Achavam que no sertão do Ceará, em pleno polígono das secas, iriam encontrar vilarejos em petição de miséria. Crianças com anemia falciforme, bicho de pé, leishmaniose. Grávidas desnutridas, chefes de família desdentados e com mal de chagas. Mas o Crato é o supra-sumo da indústria têxtil nordestina. Grande exportador de biquínis para a Europa. Lá as pessoas são ricas, bem nutridas e abobalhadamente felizes. As casas são grandes, com muros altos, daqueles cheio de plantinhas...Desolados com a escolha equivocada, frustrados com o futuro que se aproximava, venderam o pouco que tinham e se mudaram para o Recife. Com pouca grana, oito filhos pequenos e um casamento em crise, só restou mesmo comprar uma casinha, na vila de Maranguape 0, na região metropolitana do Recife. Janaína cresceu assim, brincando de shortinho no meio da rua, com as canelas finas e acinzentadas de tanta poeira...Já adolescente, pegava a kombi na esquina de casa e ia para a escolinha no centro da cidade. Na volta, parava no fiteiro, gastava o troco do lanche em confeitos, trocava a farda e ia pular elástico com as vizinhas na calçada de casa.
Os anos se passaram e Janaína terminou os estudos básicos. Tentou vestibular para Direito, mas, com a educação provinciana que recebeu nas escolinhas do bairro, nem passou da primeira fase. No ano seguinte, menina orgulhosa e marota, deixou o sonho de ser bacharel em Direito de lado e tentou vestibular para o curso que tivesse menor concorrência. Ou ela passava, ou passava. Passou em Ciências Sociais. Janaína nem sabia o que era isso, no fundo ela achava que era o curso que formava assistentes sociais, mas empolgada, seguiu adiante. Mergulhou nos estudos de Marx e Weber. Conheceu a Sociologia da Comunicação, achou bacana a guerrilha cultural e a mídia radical. Decidiu estudar esses coletivos moderninhos, que misturam video clip, mídia independente e discotecagem. Cruzou o país de ônibus, vomitou no tênis da melhor amiga, fez um curso de corte e costura e colocou um piercing. A esta altura, Janaína tinha criado inúmeras possibilidades de existir, mas faltava uma: andar de avião. Janaína se roía de invejinha quando as amigas iam para os congressos e para as pesquisas da vida de avião. Ela queria sentir aquele friozinho que dá na barriga, na hora em que o avião decola. Ela achava aeroporto uma coisa tão cosmopolita, um não-lugar, como diria Marc Augé. Logo ela, menina tão suburbana, que ia do Teatro do Parque pro Parque Treze de Maio no fim de semana. Logo ela, que todo dia tinha que encarar um Rio Doce/CDU e depois pegar o Maranguape/PE 15 na integração de passageiros. “Eita, vidinha medíocre”...
Até o dia em que tudo mudou.Graças àquele personalismo tão arraigado na sociedade brasileira, que Janaína estudou tanto nas obras de Caio Prado Jr e Sérgio Buarque,a nossa garota conseguiu uma passagem para ir à França. Um intercâmbio de seis meses,só vendo gente rica, gente europeia, gente loira de olhos azuis. Pura civilização no ar. E ainda tinha que ir de avião!Era tudo perfeito. Acabei de receber um e-mail dela, contando sobre a estadia:


“ Gostei do clima pós-moderno da França. As casas são lindinhas demais, todas muito parecidas. Iguaizinhas as que a gente vê na tv. Aqui perto da casa em que estou tem uma floresta grandona, que dá pra passear e fazer trilha. Mas eu não fui muito longe não, pq aqui não tem o risco de ladrão ou tarado,como lá no mangue de Maranguape, mas há o risco de a gente se deparar com um porco selvagem. Imagina a situação! Outro dado sociológico importante: carro aqui é carrão mesmo, tipo BMW,Mercedes,é um tal de Citröen pra lá e pra cá. Por aqui choveu muito na semana passada e fez muito frio.19 graus é frio pra gente que mora em Pernambuco.
Comi churrasco à francesa também. Pensava que franceses só comiam aquelas porçõezinhas inexpressivas. De qualquer modo, o churrasco deles é diferente do churrasco do Brasil, não tem música e aquela baixaria toda daí. Tem é muito vinho francês, pró-seco e champanhe. SUUUUUUUPER CHIQUE!!!!!
hahahahahahahahaha
Aliás, o que tenho feito aqui é beber bem. As bebidas no geral têm muito álcool,voltarei para o Brasil direto para os encontros do AA.
Pobre é triste!

É isso!
Mais tarde irei a uma cidade aqui perto que não sei o nome (tudo muito complicado e cheio de biquinhos).
Espero que faça um bom tempo.”


E eu também!

3 comentários:

Cecí disse...

Janaína, Janete e tantas outras...é sempre tão criativo olhar o "centro" da "periferia"!!!. Adorei a mistura do pró-seco e champanhe com sentidos diversos!!!
BELOTEXTO!

Paula Santana disse...

Cecí,obrigada pelo comentário. Ele foi super fundo. É sempre bom encontrar pessoas abertas e prontas para descobrir nuances...Um cheiro!

Caio Sotero disse...

Gosto de como você transfigura esse cotidiano, exteriorizando e trazendo a público o incontável, o indizível. Os risos de excitação são inevitáveis e incontroláveis! Por que?As fragilidades são expostas e, de forma interessante, quem termina por se sentir desnudado é o leitor, e não a personagem. O comportamento imitativo nosso de cada dia... a identificação é constrangedora!